quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Dublinenses (1912) 
James Joyce (1882-1941) - Irlanda 
Tradução: Hamilton Trevisan   
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, 195 páginas 

Não fosse por nenhum outro motivo - e os há - esse livro entraria para a história literária por conter um dos melhores contos já escritos em todos os tempos. "Os mortos"* é o melhor exemplo do conceito de epifania joyceano, uma súbita manifestação espiritual, ou seja, o momento exato em que algo se revela ao sujeito - neste caso, o desvelamento é desencadeado por uma música ouvida durante a festa de Natal. O parágrafo final é de uma beleza deslumbrante. Cinco das histórias versam sobre crianças - "As irmãs", "Um encontro", "Arábia", "Uma pequena nuvem" e o terrível "Contrapartida"; cinco sobre desencontros amorosos no começo da vida ("Eveline", "A pensão", "Dois galantes"), no fim ("Um caso doloroso") ou ao longo do matrimônio, o delicado "Graça". "Após a corrida", sobre bon-vivants; "Argila", espécie de atualização de "Um coração simples", de Gustave Flaubert (1821-1880); "Mãe", sobre uma  questão de honra; e "Dia de Hera na Lapela", que discute a intrincada questão política irlandesa (tema, aliás, que perpassa sutilmente todo o volume) fecham a coletânea. Todos os 15 contos, sem exceção, iniciam-se in media res, e quase todos terminam antes do desfecho. Para além do magnífico repertório da vida simples da classe média católica irlandesa, Dublinenses é uma aula completa de literatura.



* Há uma cena neste conto, à página 175, em que o personagem Browne recorda o entusiasmo dos rapazes "desatrelando os cavalos da carruagem de alguma prima donna e puxando-a eles mesmos pelas ruas até o hotel" que é a mesma descrita por Machado de Assis (1836-1908) em crônica de 15 de julho de 1877: "(...) eu fui um dos cavalos temporários do carro da prima-dona", referindo-se à cantora italiana Candiani (Obra completa. Volume IV. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p. 372), e repetido em outra crônica, de 20 de setembro de 1896 (idem, p. 1328).



Avaliação: OBRA-PRIMA

(Outubro, 2015)


Entre aspas

"Que diriam na loja ao saberem que fugira com um homem? Que era uma tola, talvez, e preencheriam a vaga publicando um anúncio no jornal" (p. 30)





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.