Carmen e outras histórias (1833-72)
Prosper Merimée (1803-1870) - França
Tradução: Mário Quintana
Rio de Janeiro: Zahar, 2015, 532 páginas
Dezoito contos, num total de 532
páginas, constituem a inteira obra ficcional de Prosper Merimée. E todos eles, sem uma
única exceção, verdadeiras obras-primas. O autor enfrenta temas os mais
diversos, conseguindo tornar alguns deles modelares no subgênero escolhido: o
fantástico em “Visão de Carlos XI” e “A Vênus de Île”, o policial em “O quarto
azul”, o terror em “Lokis”, o horror com fundo político em “Tamango”, o sonho
em “Djumane”. Embora apresente predileção pelo exotismo – a Córsega de “Mateus
Falcone” e “Palomba”, a vida cigana em “Carmen”*, a Lituânia de “Lokis”, a
Itália de “Federigo” e “Il viccolo di Madama Lucrezia”, a Argélia de “Djumane”,
a costa ocidental da África em “Tamango”, o campo de batalha na Grécia durante
as guerras napoleônicas em “A tomada do reduto” –, o autor trafega com a mesma competência
pelas ruas de Paris (“O vaso etrusco”, “O duplo engano”, “Arsênia Guillot”) ou
pela campanha francesa (“O padre Aubain”). Merimée ainda é moderníssimo do ponto de vista
formal, quando em “Arsênia Guillot” e “A partida de gamão” omite, de propósito,
o final da história narrada. É dele, por fim, uma das melhores versões do mito
de D. Juan, “As almas do purgatório”.
* O leitor poderá encontrar ecos da
Carmen, de Merimée, na descrição que faz Machado de Assis (1836-1908) de sua
Capitu, em “Dom Casmurro”, romance publicado 55 anos mais tarde: “”Sua pele
muito se aproximava do tom de cobre. Seus olhos eram oblíquos, mas admiravelmente
fendidos; seus lábios um pouco fortes, mas bem desenhados e entremostrando
dentes mais brancos que amêndoas descascadas. Os cabelos, talvez um pouco
espessos, eram negros, com reflexos azuis como a asa de um corvo, longos,
luzidios”. (p. 399)
Avaliação: OBRA-PRIMA
(Dezembro, 2015)
Entre aspas
“(...) aquele que, sem que o
interroguem, nos dá parte do seu segredo, ordinariamente se ofende por não
ficar sabendo o nosso. Imagina-se que devia haver reciprocidade na indiscrição”
(p. 71)
“Um amante feliz é quase tão
aborrecido como um apaixonado infeliz” (p. 73)
“(...) como todos os homens, era
muito mais eloquente para pedir do que para agradecer” (p. 150)
“Um homem sem memória não merece
que se pense nele” (p. 357)
PRIMEIRO PARÁGRAFO
O duplo engano: “Fazia cerca de seis anos que Julia de Chaverny estava casada, e mais ou menos cinco anos e meio que reconhecera não somente a impossibilidade de amar ao marido, mas ainda a dificuldade de lhe dedicar qualquer estima” (p. 105)