sexta-feira, 4 de março de 2016

Se um viajante numa noite de inverno (1979) 
Italo Calvino (1923-1985) - Itália  
Tradução: Margarida Salomão          
São Paulo: Círculo do Livro, s/d, 246 páginas 



O resumo do "enredo" está claramente exposto entre as páginas 185-186: "Ocorreu-me a ideia de escrever um romance feito totalmente de inícios de romances. O protagonista poderia ser um Leitor que se vê continuamente interrompido. O Leitor adquire um novo romance A do autor Z. Mas o exemplar é defeituoso, contém exclusivamente o início... o Leitor retorna à livraria para trocar seu exemplar..." Poderíamos enquadrar esse livro dentro da ficção policial. O romance está morto e há vários suspeitos pelo seu assassinato: a crítica, o mercado editorial, o leitor, o próprio autor. Mas são infinitas as possibilidades de abarcá-lo. Romance de aventura, de viagem, de amor, tudo cabe em suas páginas e não as esgotam. E também não o definem, pois trata-se essencialmente de uma reflexão sobre os impasses da literatura, sobre o prazer de narrar e sobre a fruição da leitura. A sua estrutura labiríntica e o tom onírico deve muito às "Mil e uma noites". As falsificações e o clima especular são tomados de empréstimo do argentino Jorge Luis Borges (1899-1996). Mas há ali também algo de "Três tristes tigres"*, do cubano Guillermo Cabrera Infante (1929-2005). Intertextual, irônico e autocentrado, Se um viajante numa noite de inverno é um romance que agrada mais ao sistema literário (escritores e críticos) que aos leitores comuns.



* São Paulo: Global, 1980. Tradução de Stella Leonardos.

  


Avaliação: BOM

(Março, 2016)


Entre aspas

"(...) cada momento de minha vida traz consigo um acúmulo de fatos novos que trazem consigo consequências, de modo que, quanto mais procurar retornar ao ponto de partida, ao ponto zero, mais me distancio (...)"  (p. 19)

"O romance que tenho vontade de ler neste momento (...) é aquele que tirasse toda a sua força motriz da vontade única de contar, de acumular história sobre história, sem pretender impor uma visão do mundo; um romance que simplesmente fizesse você assistir a seu próprio crescimento, como uma planta, com seu intrincado de ramos e de folhas..." (p. 88)

"É na página, e não antes, que a palavra - mesmo a palavra do arrebatamento profético - torna-se definitiva, transformando-se em escrita. É nos limites do ato da escrita que a imensidade do não-escrito torna-se legível, quero dizer, através das incertezas da ortografia, dos equívocos, dos lapsos, dos desvios incontroláveis da palavra e da pena." (p. 172-173)

"Acredita que toda leitura deva ter um princípio e um fim? Antigamente, a narrativa só tinha duas maneiras de terminar: uma vez passadas suas provações, o herói e a heroína se casavam ou morriam. O sentido último a que remetem todas as narrativas comporta duas faces: o que há de continuidade na vida, o que há de inevitável na morte". (p. 242)

  

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