quarta-feira, 15 de março de 2017

Contos - uma antologia (Volume 1)
Machado de Assis (1839-1908) - BRASIL  
Seleção: John Gledson  
São Paulo: Companhia das Letras, 2001, 421 páginas 




Dos "cerca de duzentos contos" (p. 15) escritos pelo Autor, os dois volumes desta antologia reúnem 75 entre os melhores. Neste primeiro volume, que abrange 21 narrativas, o Organizador escolheu três histórias da primeira coletânea lançada pelo Autor, Contos Fluminenses, de 1870 ("Frei Simão", "Confissões de uma viúva moça" e "Miss Dollar"), uma da segunda coletânea, Histórias da Meia-Noite, de 1873 ("A parasita azul"), oito não recolhidas em livro ("Três tesouros perdidos", "Virginius", "Mariana", "A chinela turca", "Uma visita de Alcibíades", "O machete", "Na arca" e "Folha rota") e todas as nove constantes de Papéis avulsos, de 1882 ("O alienista", "Teoria do medalhão", "D. Benedita", "O segredo do bonzo", "O anel de Polícrates", "O empréstimo", "A Sereníssima República", "O espelho" e "Verba testamentária"). Em onze dos doze contos do período dito "romântico", que antecede à publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, em 1881, o Autor mostra-se ainda titubeante no tratamento dos motes, embora já se possam distinguir sua marca estilística - que, evidentemente vai se espessar ao longo do tempo - e sua visão de mundo, progressista, mas pessimista. De maneira ainda sutil, ele se insurge contra o modelo de sociedade da época, criticando os casamentos arranjados("Frei Simão"), a escravidão ("Virgínius") e até o "gênero ultra-romântico" (p. 221) ("A chinela turca"). Outros temas, que serão desenvolvidos e aprofundados mais tarde, também já se encontram presentes, como a figura do canalha, nas ousadas "Confissões de uma viúva moça"; o olhar desalentado a respeito da Humanidade, desde sua origem "Na arca"; e a insatisfação com os caminhos que escolhemos para trilhar ao longo da vida*("O machete"). A exceção desta primeira fase é "Mariana", texto magnífico de 1871, crítica direta e contundente à escravidão, ao racismo e à hipocrisia. Os contos "realistas", enfeixados em Papéis avulsos, exibem o Autor em sua plenitude. "O alienista", conto longo, quase um pequeno romance, questiona o conceito de sanidade mental; "Teoria do medalhão" expõe o pragmatismo cínico da política; "O empréstimo"***, o caráter movediço das nossas ações; "A Sereníssima República"***retoma o mote de "Na arca" para, de maneira alegórica, mostrar a inviabilidade de organização do ser humano, por conta de seu egoísmo; "O espelho" é um exame da sociedade que vive das aparências. Esses seis últimos contos garantem a Machado de Assis figurar na reduzida galeria dos melhores escritores de todos os tempos em qualquer língua. 
   

(Março, 2017)


Curiosidades:


* O casamento, segundo a viúva moça: "Entramos no nosso lar nupcial como dois viajantes estranhos em uma hospedaria, e aos quais a calamidade do tempo e a hora avançada da noite obrigam a aceitar pousada sob o teto do mesmo aposento" (p. 106). Este conto é de 1864! 

** Este tema, que voltará mais vezes na prosa do Autor (V. por exemplo, "Cantiga de esponsais" e "Um homem célebre"), foi tratado também no poema "Círculo vicioso", publicado no volume Poesias Completas, de 1901. 


Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- "Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

- "Pudesse eu copiar o transparente lume, 
que, da grega coluna à gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

- "Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela 
claridade imortal, que toda a luz resume!"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

- "Pesa-me esta brilhante auréola de nume... 
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?"...


*** V., sob outra perspectiva, o capítulo XXI - O almocreve, de Memórias póstumas de Brás Cubas (p. 141-142)

**** Este conto deve muito a Viagens de Gulliver (1726 e 1735), do inglês Jonathan Swift (1667-1745). Compare a descrição dos partidos políticos de Liliput com os estudados pelo Cônego Vargas (p. 396).





Avaliação: MUITO BOM     


Entre aspas:



"O ridículo é uma espécie de lastro da alma quando ela entra no mar da vida; algumas fazem toda a navegação sem outra espécie de carregamento". (p. 132)

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