quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Origem (1975-1982) 
Thomas Bernhard (1931-1989) - ÁUSTRIA    
São Paulo: Companhia das Letras, 2006, 501 páginas
Tradução: Sergio Tellaroli   






Esta autobiografia reúne cinco narrativas publicadas de forma independente em diferentes épocas e cobre onze anos da vida do Autor, entre os oito e os dezenove, vividos em Salzburgo e imediações. Com um texto compacto e reiterativo, bastante original, o narrador conta as agruras de crescer durante a Segunda Guerra Mundial e no momento imediatamente posterior ao fim dos conflitos. "Uma criança", lançado em 1982, cobre um vasto período em que os adultos estavam nas frentes de batalha e em Salzburgo restavam apenas as mulheres, os velhos e as crianças. Aqui, ficamos conhecendo os familiares do Autor - a mãe, abandonada pelo marido; o tutor, homem com quem ela se casa e tem outros dois filhos; a avó, simpática e dedicada; e o avô, a quem adora, filho de burgueses, que abre mão da herança por razões filosóficas. Este avô, socialista, escritor (chegou a ganhar um prêmio nacional) e leitor contumaz é o grande personagem do livro. A segunda parte, "A causa", lançada em 1975, centra-se em sua formação escolar, sob o autoritarismo nazista, uma "máquina devastadora de espíritos e personalidades" (p. 183), e divide-se em dois textos, intitulados Grünkrantz e Padre Franz. O Autor traça o perfil desses dois educadores, de personalidades diferentes, mas ambas aniquiladoras. "O porão", publicado em 1976, é o relato de sua aprendizagem, trabalhando em um armazém em Scherzhauserfeld, bairro operário da periferia de Salzburgo. "A respiração" cobre o período de internação, aos 18 anos, em estado bastante crítico (chega mesmo receber a extrema-unção) em um hospital em Salzburgo - onde também estava seu avô, que acaba morrendo ali por conta de um erro médico -, e depois em Grossgmain, um antigo hotel transformado em sanatório para doentes do pulmão. Após ter tido alta, o Autor acaba descobrindo que contraíra tuberculose, por ficar exposto à doença em Grossgmain, e é transferido para Grafenhof, onde permanece por nove meses, tema de "O frio", publicado em 1981. Sem a mãe, morta por um câncer no útero, aos 46 anos, e o avô, ele tem que, aos 19 anos, enfrentar sozinho o mundo. Traumatizado por nunca ter conhecido o pai (morto em 1943, por um tiro), por uma educação rígida e por uma longa convivência em hospitais, o Autor se propõe a descrever "fatos e acontecimentos (...) munido do propósito da verdade e da clareza" (p. 323). Por vezes, o Autor peca pelo tom assertivo - pululam frases que investem contra o leitor, quem dele discorda, afirma, "são idiotas ou charlatães" (p. 310) -; outras vezes mostra uma uma visão bastante romântica do ofício do escritor: "O artista, e sobretudo o escritor (...) deveria ser obrigado a procurar um hospital de tempos em tempos (...) ou uma cadeia ou um monastério. (...) o artista, e em particular o escritor, que não procurava (...) uma tal esfera propícia ao pensamento, vital, decisiva e necessária à sua existência, acabava se perdendo na insignificância, enredado na superficialidade" (p. 354). 


(Agosto, 2017)

Avaliação: BOM  




Observação:

O Brasil aparece à página 275: "Envolvia-me sem qualquer relutância com o arroz, a semolina, o chamado chá russo ou o café brasileiro (...)" 

Entre aspas:

"Quando estamos no ápice, não há nada que desejemos mais do que um observador a nos admirar (...)" (pág. 15)

"(...) estamos cercados de vulgaridade e inevitavelmente sufocamos todos os dias em burrice." (pág. 43)

"(...) os esportes divertem, embriagam e emburrecem as massas, acima de tudo as ditaduras sabem bem por que, a qualquer tempo e sob quaisquer circunstâncias, favorecer os esportes. Quem é a favor dos esportes tem a massa a seu lado, quem é a favor da cultura as tem contra si (...) razão pela qual todos os governos sempre são pelos esportes e contra a cultura." (pág. 162)


"(...) o sábado é um dia temido, ainda mais temido que o domingo, porque no sábado todos sabem que o domingo está para chegar, e o domingo é mais terrível dos dias." (pág. 269)






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